O QUE SIGNIFICA SER LINGÜISTA NO SÉCULO XXI? REFLEXÃO TEÓRICA E METATEÓRICA

Por Giovanni Parodi (Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso - Chile)
Tradução: Fernanda Tonelli (UFSCar)



Pode ser lugar comum deste gênero discursivo apontar que não mereço este reconhecimento que os membros da Academia Chilena de La Lengua me concedem. Mas o gênero, entre outros, justamente articula os propósitos, os entornos e os participantes do discurso. Por isso, é válido iniciar com esta declaração.
Devo dizer que nunca, no mundo das possibilidades, me imaginei como membro desta instituição. Isso era algo que ocorria aos outros; aos meus mestres, aos meus colegas, a alguns conhecidos. Sempre presenciei essas cerimônias de longe. Eram para os grandes, e eu – certamente – não me sinto nesta condição.
Lembro-me que há uns cinco anos, conversando com uma grande amiga e pesquisadora, esta me confessou seu anseio de um dia ser chamada pela Academia. Ela declarava que esse era seu maior sonho acadêmico e profissional. Eu me limitei a observá-la com curiosidade, talvez com imaturidade acadêmica. Não compreendia efetivamente ao que ela se referia. Ela, sim, entendia os caminhos que nesse momento me pareciam estranhos. Yanina Cademártori hoje está em sua própria luta terrena para sobreviver a uma enfermidade terrível que a cada dia a separa mais de todos aqueles que a amam. Mas sei bem que compreendeu quando lhe transmiti com enorme alegria o comunicado que me chegou por Don Alfredo Matus numa noite de segunda-feira. Ela sorriu e me disse: “Giova, você merece”. Querida Yani: neste dia, estás aqui junto a mim com mais força que nunca.
Como dizia, nunca aspirei a essa honra. Talvez porque meus dois mestres ostentam a categoria numeraria e eu me sinto muito distante de tal nível acadêmico. É por isso que assumo com humildade esta nomeação. Só procurei fazer o que foi ditado por minha consciência, me inspirando na energia de viver e na força de minha mãe e a entrega total à vida acadêmica que sempre tentei emular de Luis Gómez Macker e Marianne Peronard.
Distintas senhoras e senhores acadêmicos, desejo expressar meus sinceros agradecimentos pela vossa confiança e ofereço comprometer meu trabalho e esforço no cumprimento dos objetivos desta corporação e ajudar a levá-la ao novo milênio cruzando os obstáculos dos desafios que os tempos impõem. Neste singular salão de honra da minha querida Universidade, me sinto hoje cheio de energia para assumir tal compromisso. Toda minha família aqui presente, entre eles minha mãe, minha esposa, minhas filhas, minha irmã e meus grandes colegas e respeitáveis amigos me acompanham nisso. É uma tarefa comunitária, pois eu sozinho pouco ou nada posso fazer. Conto com todos vocês.
A seguir, darei curso à reflexão que desejo compartilhar com vocês neste dia.



O problema: Como se chega a ser lingüista?
Em um afã científico de corte acumulativo, busquei aproximar-me de um problema – em minha opinião – de grande atualidade e relevância para nós que nos empenhamos neste âmbito. Disse de um afã acumulativo porque, talvez com excessiva ambição, pretendo encadear minha reflexão com o pensamento científico de meus mestres. Este afã de construção e acumulação cientifica não se faz em um sentido horizontal, senão em um verticalista e inclusivo. Em outras palavras, não pretendo reiterar idéias no plano do já dito; mas avançar de certos magníficos núcleos temáticos, como por exemplo, os discursos de incorporação tanto de membros correspondentes como de número de Marianne Peronard e Luis Gómez Macker. Desse modo, procuro progredir, baseado no que já existe. Pretendo continuar uma linha de pensamento; se possível, coerente com alguns princípios fundamentais.
É bastante comum dizer-se que no âmbito das ciências humanas e das ciências sociais não se constrói o conhecimento de modo vertical e hierárquico. Pelo contrário, diz-se que se acumula em um sentido deslocado e não integrador, gerando teorias e enfoques alternativos. Assim, o desafio que me proponho se insere dentro do pensamento da já assentada Escuela Lingüística de Valparaíso.
Pois bem, sem mais demora, vejamos qual é o celebre assunto no qual busco adentrar-me. Anteriormente, só fiz uma vaga referência e nunca ficou suficientemente explicitado o referente da frase dita. Com efeito, o foco desta reflexão aborda a função do lingüista contemporâneo e seu futuro. As perguntas chave que abordarei são:
· Como se converte alguém em lingüista?
· Que faz em sua vida profissional um lingüista do Século XXI?
· Quais são o âmbito e as responsabilidades de um cientista da linguagem e das línguas hoje em dia?
· Que implica aderir à dita comunidade acadêmica?
Se recorrermos ao que as pessoas em seu cotidiano normalmente assumem, a tendência indica que o lingüista é, por uma parte, uma pessoa competente em várias línguas particulares, isto é, uma pessoa com grande habilidade para aprender e falar muitas línguas. Em outras palavras, sob esse ponto de vista, lingüista se assemelha a poliglota. Talvez, inclusive por isso em alguns círculos não especializados, se denomina este profissional como LENgüista, ou seja, derivando diretamente de LENgua ou LENguagem. Estou seguro que muitos de nós já tivemos de corrigir em mais de uma oportunidade algum documento de caráter oficial, inclusive dentro da Universidade, em que se havia escrito LENgüítica. Isso revela, em minha opinião, a aproximação do profissional lingüista com o domínio das línguas e não necessariamente com as ciências da linguagem.Uma segunda acepção, proveniente da cultura popular, diz em relação à idéia de especialista em manejo da língua e conhecedor de seus usos e abusos. Por isso, se costuma exigir ao lingüista sua atuação como censor e autoridade do correto e incorreto. Assim, às vezes, o lingüista se vê diante da situação de proceder como juiz normativista que soluciona um conflito lingüístico e deve ser possuidor da verdade absoluta. Às vezes, o público envolvido costuma se sentir decepcionado quando o especialista declara que ambas as vozes ou estruturas em disputa são adequadas, mas que têm contextos de uso e situações específicas e que cumprem funções divergentes. A decepção de espalha entre os ouvintes desejosos de escutar uma sentença incisiva que resolva definitivamente o conflito lingüístico. Pior resultado e inquietação se gera entre os participantes do debate se o lingüista declara que ambos adversários estão corretos e ambas versões ou alternativas enfrentadas se empregam indistintamente. Assim, muitas vezes se termina por colocar em dúvida a opinião do suposto especialista, pois a forte tradição idealizadora impõe um erro desqualificador de uma ou outra postura. Nesses casos, costuma-se ocorrer que a autoridade não consegue convencer e seus esforços não penetram na forte crosta da cultura e das crenças populares.
Assim, como se sabe, em círculos ainda mais restritos, o clamado lingüista é sempre o designado para tomar notas, escrever cartas, redigir acordos e falar em público. Como se professar este ofício fosse indicador de manejo excelso da língua oral e da língua escrita e tudo isso implicasse um conhecimento acabado de seus múltiplos registros, inumeráveis gêneros e infinitas variedades de uso.A partir dessas perspectivas, a do poliglota e a do conhecedor de gramática e pronunciação, pode-se dizer que muitos falantes/escreventes poderiam qualificar-se como lingüistas. Não parece exigir-se, necessariamente, título profissional, trajetória em pesquisa, nem ter alcançado uma reputação como especialista disciplinar. Exemplos disso, todos conhecemos e temos vivido inumeráveis situações relacionadas. Desafortunadamente, estas vertentes a nível leigo – muito difundidas – continuam uma tradição fortemente arraigada na cultura de nossas sociedades contemporâneas.Pois bem, se seguir o rastro clássico em uma indagação inicial de tipo lexicográfico, o Diccionario de La Lengua Española (R.A.E., 2001: 1384) indica que lingüista é uma “persona versada en lingüística”. Como se infere, nada se declara dos deveres deste profissional, de seus compromissos, nem de suas tarefas. O foco está em que tal pessoa deve conhecer a lingüística, com um grau importante de profundidade. Se seguir a indagação ao vocábulo lingüística, notamos que, no mesmo Diccionario de La Lengua Española (R.A.E., 2001: 1384) se afirma que é a “ciência del lenguaje”.
Com estes breves antecedentes, temos que um lingüista deve ser uma pessoa que domina um corpus relativamente importante de conhecimentos atribuídos à ciência da linguagem. Sem lugar para dúvidas, a rica visão e perspectiva que nos proporcionam o alvorecer do Século XXI também nos permite observar que a quantidade de ramos, áreas, sub e interdisciplinas que hoje existem constituem um terreno de estudo extremamente amplo no qual cada parcela tem alcançado em desenvolvimento considerável. Esta visão a qual aludimos põe em evidência a complexidade de conseguir um conhecimento cabal de todas as denominadas “ciências da linguagem”, agora no plural.
O que procuro colocar em destaque é que a definição de lingüista contida no Diccionario de La Lengua Española assim como a de lingüística são, por um lado, um tanto concisas e até simples; além disso, ambas definições resultam exageradamente abarcadoras e envolvem uma quantidade de conhecimentos que dificilmente, na atualidade, um estudioso pode dominar com suficiente profundidade. Muito possivelmente em meados do século passado ainda era factível que um lingüista alcançasse, em um tempo prudente, a construção coerente de um corpo disciplinar de conhecimentos até esse momento disponível. No entanto, o vertiginoso avanço do conhecimento altamente especializado, a crescente variedade de subdomínios disciplinares que apresentam níveis de profundidade diversos e as enormes redes interdisciplinares, assim como a excessiva disponibilidade imediata de informação cientifica em linha, impõem fronteiras difíceis de alcançar e superar com êxito.
Na minha opinião, nenhuma dessas concepções é totalmente errônea, ainda que tampouco definitivamente correta. Algo de cada uma se pode resgatar. É muito possível que alguma delas beire certos traços do ofício, mas – em essência – todas elas se distanciam muito da tarefa científica e dos desafios profissionais que imagino para um lingüista do Século XXI. Um lingüista, de fato, poderia falar somente uma língua, mas não deve, obrigatoriamente, ser um especialista no uso e manejo dessa língua.
À medida que se aprecia, ao aprofundar-se no que faz o lingüista, se torna inevitável enfrentar uma pergunta magnífica: o que é a lingüística? Voltaremos mais adiante sobre isso.

Lingüista: Profissão ou ofício?
Voltando ao Diccionario de La Lengua Española e a suas definições, resgatamos a idéia de que o lingüista é um versado na ciência da linguagem, o que implica ser um estudioso da linguagem e sua realização em línguas naturais e, por extensão, também nas línguas artificiais. Mas, que implica encarregar-se de uma ciência que aborda a indagação em torno da linguagem humana e das línguas particulares em que esta se instancia? Certamente, esta é uma questão de envergadura que supera com acréscimo ao poliglota e ao conhecedor de gramática e pronunciação.
Para ser um lingüista não existe necessariamente uma habilitação por meio de um título profissional ou de uma graduação acadêmica. Do meu ponto de vista, sem sequer um doutorado habilitaria para isso. Muito pelo contrário, têm existido muitos lingüistas de destaque que, com muito, conseguiram formalizar somente um grau acadêmico inicial e ninguém nunca duvidou de sua idoneidade. Então, onde reside a questão que procuramos esclarecer? Segundo o que entendo, o assunto pode ser ainda mais complexo: se trata de uma vocação de vida; de uma forma de viver. Para ser lingüista se deve assumir um desafio científico. Assim, ao lingüista se impõe o exercício de um ofício, ou seja, é uma pessoa que se faz responsável por um compromisso, é alguém que consegue possuir, por experiência, capacidade e êxito, uma competência dentro de uma área específica do conhecimento. Ou seja: mutatis mutantis, o lingüista se faz, não nasce.
Alí reside este impasse. É, sem dúvidas, um assunto quase místico e com isso não implico que se requeira nada mágico nem sobrenatural. Seria, melhor dizendo, de vocação, de professar um ofício.
Por esta óptica, novamente seguindo o Diccionario de La Lengua Española (R.A.E., 2001: 1384), temos que o vocábulo ofício, em suas duas primeiras acepções, consigna: “ocupación habitual”, “cargo, ministerio”. Neste sentido, pelo meu argumento, ao lingüista se aplica muito bem o termo ofício. Justamente por isso. Seu trabalho é uma empresa ministerial, um compromisso no qual tem a cargo uma determinada questão; é o que se faz responsável de algo. Comparativamente falando, uma profissão fica validada por um título: ser um lingüista se valida através da comunidade cientifica, no reconhecimento dos pares. É algo ao qual se aspira e se pretende alcançar; mas não uma questão que se dá de fato. Ser lingüista não é uma profissão que se valida através de um título universitário. Certamente os graus e títulos acadêmicos são um suporte inicial que informa acerca do cumprimento de estudos formais em uma área, mas que não necessariamente impelem a que uma pessoa se faça cargo de uma responsabilidade e assuma um compromisso de vida. Assim, o ofício do lingüista é validado por uma comunidade científica, isto é, através do reconhecimento dos pares.

O lingüista do Século XXI
Ser um lingüista do Século XXI impõe um conhecimento amplo das problemáticas acerca da linguagem, tais como sua natureza, sua especificidade, sua evolução, seu assento biológico. Também ser lingüista contemporâneo implica contar com um conhecimento em torno das línguas particulares, de suas regularidades e de suas variações. Dentro deste enorme reino de possibilidades, o lingüista é livre para eleger um domínio, uma área de interesse, na qual aprofundará e a qual converterá em sua especialização. Mas a urgência de focalização não deve embaçar a enorme necessidade de respostas a questões fundamentais. O lingüista do Século XXI não deve hastear exclusivamente a bandeira da normativade, dos prescritivismos. Este pesquisador deve ser uma pessoa que enfoca interrogações, que pretende resolver problemas da vida cotidiana, que observa os diversos planos da linguagem e das línguas e busca explicações. Cultiva-se assim uma linha de investigação e uma reflexão crítica. Une-se assim, tradição e pós-modernidade.Como se sabe, ainda que às vezes se confunda e não se explicite decididamente, a lingüística aborda o estudo da linguagem e das línguas. Então, claramente se distinguem dois planos essenciais. Uma de corte mais amplo e eminentemente teórico, cujos limites são disciplinarmente difusos. Em outras palavras, a filosofia, a psicologia, a sociologia, a neurologia, a biologia, todas elas aproximam-se da lingüística. De certo, isso não constitui novidade. Já o haviam apontado Platão e Aristóteles. Saussure, em seu afã cientificista, o retomou outrora. Em outro plano, também tem marcas teóricas, mas deve, sinergicamente, alcançar um grau de operacionalização, chegar às instâncias e voltar a alimentar o plano superior. Os limites entre ambos são certamente difusos; nisso reside uma grande riqueza.Desse modo, em minha operação, a tarefa do chamado lingüista teórico se constitui em definir o que é a linguagem humana e definir seus limites em relação a outros sistemas de comunicação tanto naturais como artificiais. Ambiciosamente, podemos enfatizar que indagar a linguagem é estudar o significado, em especial os modos de significar, os quais se instanciam através das línguas particulares. Nesse sentido, o estudo da linguagem nos leva – em parte – à essência do ser humano. Constitui-se assim um traço fundamental, junto à mente e à consciência. Por sua vez, o estudo de uma ou várias línguas particulares, sob forma de entidades históricas, é o estudo da léxico-gramática e a fonologia de ditos sistemas e suas realizações particulares de construção de significados. Nesse sentido, as línguas não são meros instrumentos, sob forma de carapaças ou cobertas formalistas superficiais. Elas constituem forma e essência, já que articulam os pensamentos, os sentimentos e os significados. Dão forma á cultura e a transmitem. Assim, em minha opinião, a construção e transmissão de significados contextualizados e sua necessária codificação lingüística, através de complexos processos de lexicogramaticalização em que não se descarta os planos biológico, social, cognitivo, cultural e ideológico revela arestas infinitas das áreas que um lingüista do Século XXI não deve descuidar.Então, no contexto de caracterizar o lingüista do Século XXI vale a pena por em propósito que – desde outros domínios científicos – alguns cientistas afirmam que nosso trabalho carece definitivamente de rigor científico ou, melhor dizendo, não seriamos propriamente científicos. Mas, por que outros cientistas podem construir esta percepção? Por que alguns cientistas, supostamente rigorosos, poderiam pôr em dúvida o caráter científico de nossa disciplina, supostamente fácil? Por outro lado, estimo que existe certa idéia que tende a não valorização de nossas contribuições. Entramos assim ao assunto do prestígio dos estudos lingüísticos nos ambientes científicos. Sem lugar para dúvidas se constitui em uma questão de valorização social da lingüística e seus ramos. Poderia ser que nossas respostas aos problemas atuais não sejam suficientemente profundas ou empiricamente bem fundamentadas. Poderia ser que estivéssemos demasiadamente envolvidos em problemáticas certamente interessantes, mas que a sociedade não valoriza suficientemente. Ou, talvez, que nós mesmos não temos sido capazes de mostrar o valor de nossas contribuições.Um assunto ainda mais grave é que existe uma certa tendência a construir uma imagem equivocada do lingüista. Há quem considera que o lingüista não contribui decididamente para a resolução dos problemas contingentes. Argumenta-se que o conhecimento que aportamos é excessivamente encapsulado e pouco pragmático ou escassamente útil. Articula-se assim uma visão do lingüista como um estudioso que tende a privilegiar sistemas excessivamente conservadores e que parecem pouco ou nada inovadores e carentes de vanguardismo. Em minha opinião, muito possivelmente o lingüista mais tradicional não conseguiu dar respostas suficientes a certas demandas sociais ou não a fez com a claridade requerida. É provável que esse lingüista – às vezes – não tenha chegado a vislumbrar o que a sociedade reclama em questões pendentes, como, dentre outras, sistemas tecnológicos de ensino, mecanismos de transmissão de informação, modelização e implementação de técnicas experimentais, tecnologias da fala, meios massivos de comunicação, multilingüismo e interculturalismo, alfabetização acadêmica em educação superior. Considero que o que tem acontecido aqui é que, em parte, nós mesmos não temos sido capazes de mostrar a utilidade e o potencial do estudo da linguagem e das línguas particulares. Por um lado, desde esquemas empíricos apoiados em ciências experimentais que brindem dados importantes e, por outro, desde desenvolvimentos que privilegiem o componente de transferência tecnológica, mas à altura das vertiginosas mudanças.Até aqui vim desdobrando uma linha argumental que dei cabimento a minha concepção de uma lingüística que supere a inerência clássica. Assim, defendo e proponho uma lingüística que atenda ao uso, à variação e à variabilidade, mas que também se questione os fundamentos da linguagem. Uma lingüística que se aproxime dos falantes/escreventes e ouvintes/leitores em seus diversos contextos cotidianos e contribua com as demandas da sociedade atual. Uma lingüística que, ao mesmo tempo, atenda às propriedades de uma faculdade humana tal como é a linguagem e também tenha em conta as exigências do mundo contemporâneo e suas urgências. Tudo isso sob um enfoque interdisciplinar ou, melhor dizendo, decididamente transdisciplinar.Então, parece lícito perguntar: o que é que tem ocorrido aqui? Certamente, enfrentamos um segundo impasse. De fato, é evidente que presenciamos uma mudança. Uma mais complexa e profunda e, definitivamente, de outra dimensão.
Pontos de vista e objetos de estudo: paradoxo dos tempos atuais
Dentro desse cenário, é possível uma lingüística tão decididamente multidisciplinar? Não constitui de certo modo uma contradição em si mesmo? Não enfrentamos uma sorte de abandono da lingüística per se? O desafio atual que a lingüística deve enfrentar é o de incluir estas novas inquietações sem diluir-se completamente como um campo coerente de conhecimento.Fica claro que para onde estamos apontando é para um enfoque singular de tipo multidimensional. Dentro desse cenário, proponho assim uma nova forma de fazer lingüística. Em outras palavras, procuro que a lingüística se transcenda a si mesma, para que não seja transcendida. Neste sentido, a lingüística pode e deve ser capaz de dar um salto monumental ou sucumbirá e será absorvida por outras disciplinas que, com aparatos empíricos soberbos, vem se solidificando e vão paulatinamente incorporando dimensões de sua incumbência. O risco é que a lingüística fique circunscrita à tradicional filologia ou, em minha opinião, muito mais grave seria se ficasse limitada à gramática, ao prescritivismo tradicional. Mais preocupante ainda, a visão do poliglota e especialista em pronunciação e norma culta da língua.Alguns dirão que se trata de uma questão de pós-modernidade; outros, certamente dirão que é um pós-materialismo. A teoria da complexidade e, dentro dela, a teoria do caos algo têm a dizer.Em minha opinião, o que vem ocorrendo nos últimos anos é a progressiva complexidade da mirada sobre o fenômeno em estudo. De fato, o que acontece não é uma paulatina abordagem complexa sobre o próprio fenômeno, naturalmente multidimensional. Longe de ser o objeto que se tornou complexo, é a visão do pesquisador que se enriqueceu e se tornou exigentemente mais abarcadora, a que se diversifica e engrandece. Neste processo, cada vez mais e mais complexas esferas vão fazendo parte da perspectiva que o investigador pretende focalizar como objeto de indagação. O que tem acontecido nestes últimos anos e se desenha como o desafio para o futuro é justamente o enriquecimento e “complexalização” progressiva dos objetos de estudo, que se operam a partir de concepções teóricas diversas. Este processo gradual pode ser levado a cabo, por uma parte, em virtude do vínculo entre uma concepção teórica mais integradora e acumulativa e uma operacionalização de objetos multidimensionais, por outra este enfrentar empiricamente objetos complexos pode ser executado graças ao desenvolvimento e disponibilidade de instrumentos e técnicas que permitem a abordagem de um fenômeno, mas ao mesmo tempo de um objeto científico complexo.Desse modo, talvez agora e mais do que nunca, a concepção complexa da linguagem se pôde instanciar em objetos complexos que se indagam através de métodos também complexos. Atrevo-me a assegurar que este vínculo virtuoso entre esses três eixos possibilita uma investigação inovadora e com resultados poderosos. A seguir, a Figura 1 pretende demonstrar em gráfico as interações sinérgicas que se atualizam a partir de uma concepção complexa de linguagem, o progressivo enriquecimento dos objetos de indagação – sustentados a partir de tal visão teórica – e a disponibilidade de enfoques e instrumentos metodológicos complexos e inovadores de tipo experimental e de tipo tecnológico.
Não há dúvidas que um problema para os lingüistas tem sido o de enfrentar tal complexo fenômeno e descobrir localizá-lo em um lugar que supere todas as fronteiras do marco de ações de um cientista formalista e que só observa os feitos de uma língua particular a partir de um conjunto de dados melhor finitos e restringidos. Sem dúvida e licitamente, durante o século passado, se avançou por meio da construção de objetos científicos operacionalizáveis e que pareciam com possibilidade certeira de indagação. Aplicou-se o reducionismo metodológico. Era eminente em um momento. O que certamente fazem os lingüistas é focalizar a mirada em uma parte muito reduzida do complexo e multidimensional fenômeno. Uma forma de se aproximar tem sido a de dividir e apontar. Se não fosse assim, de que forma avançar e aproximar-se da realidade?De forma contrária ao exposto na Figura 1, em nosso afã de construir aproximações da realidade, aproximações reunidas de nossos princípios e supostos de base, temos pretendido manter a unicidade de um fenômeno supostamente homogêneo. Em um afã científico tem-se circunscrito ou delimitado o fenômeno de estudo, tem-se buscado certa homogeneidade. No entanto, o vertiginoso avanço e imposição da complexidade sobre as miradas fazem já impossível circunscrever de maneira radical a concepção de linguagem e sua operacionalização.O contrário do que aludimos está relacionado com a progressiva complexidade na concepção da linguagem e das línguas, devido, por uma parte, à paulatina maior disponibilidade de conhecimentos, assim como a decidida atitude de construir uma visão integradora, baseada acumulativamente em informação empírica disponível. Isso trouxe junto um novo cenário que demanda uma renovada atitude científica, da qual acredito não termos tomado suficiente consciência. Isso é provavelmente o que nos tem confundido e nos tem feito perder o rumo e não dar, em alguns casos, a respostas certas. Pois bem, o assunto é que essa “complexalização” das concepções teórica tem produzido uma crescente diversificação dos objetos particulares. Em outras palavras, a emergência destas novas e diversas concepções obrigou a proliferação de novos e desafiantes cenários. Não existe, desse modo, somente uma definição de linguagem e as concepções do mesmo variam grandemente. Aceitar, compreender e manejar esta heterogeneidade é parte do desafio de ser lingüista no Século XXI. Tomar consciência disso é parte do desafio. De fato, sustento que esse processo de conscientização da complexidade e da diversidade de princípios fundadores e sua existência alternativa constituem uma das tarefas do cientista da linguagem contemporâneo. Pois bem. Aqui está o paradoxo. Está diante de nossos olhos há um bom tempo. O enfrentamos em diversos cenários. Promoveu inúmeras discussões; labirínticas e eternas preocupações. Defendemos a interdisciplina e até a multidisciplina, ante as dificuldades que elas nos impõem, mas logo, talvez em um afã cientificista – duvidamos de enfrentar tamanha diversidade e tentamos aceitar a existência de um fenômeno supostamente mais homogêneo e estável. Tentamos assim manter a abordagem de uma mesma e unívoca coisa. Em minha opinião, isso tem sido um erro. Certamente um erro involuntário, uma equivocação impensada. Com efeito, não quisemos perder nosso tradicional consenso. A nenhum cientista agrada tamanha coisa. No entanto, e de fato, neste momento quase imperceptível, mas grandioso e decidido, diversificou-nos magnificamente as opções.Através da Figura 2, pretendo mostrar a concepção mais clássica na qual se assumia um conjunto de princípios teóricos e se desdobrava a partir deles uma operacionalização de um ou mais objetos de estudo. A diversidade de declarava mais nos objetos que no próprio constructo teórico. Exigia assim uma perspectiva monolítica em que aparentemente tinha consenso em torno a um paradigma que hegemonicamente se posicionava por sobre outras concepções e impunha um modo de pesquisa.



É factível que este modelo resultou útil em certos círculos muito restritos ou em comunidades científicas extremamente coesas e muito possivelmente constituídas magnificamente por nossos professores líderes e de grande carisma. Certamente, os lingüistas têm tentado conceber a linguagem e as línguas de modo unificado, buscando arduamente regularidades e princípios norteadores comuns. Não obstante, mesmo que ainda existam escolas lingüísticas deste estilo, tem-se caído o véu e os investigadores vêm assumindo uma visão mais ampla e enriquecedora. Assim, o paradoxo reside em que, enfrentando definições mais profundas e de maior rigorosidade, emerge uma enorme dispersão de diferenças de diversos tipos. Nesse momento, nossos pontos de vista se diversificam, se multiplicam. Então, nós, pesquisadores, a partir de nossas posturas teóricas e empíricas, já não possuímos tão homogeneamente os mesmos princípios teóricos nem indagamos os mesmos objetos. De fato, já não são os mesmos objetos para nós. São diversos. Por isso, chegamos a compreender e aceitar que enfocamos e examinamos, definitivamente, objetos distintos.Por um momento, parecia que não existia conflito entre essas concepções alternativas. Todos os pontos de vista pareciam surpreendentemente válidos; todos podiam contribuir. Em minha opinião, isso já não é mais factível. O lingüista deve definir-se a si mesmo e ter claridade dos princípios fundamentais de sua concepção de linguagem, das línguas e dos objetos que abordará. O desafio atual para o cientista da linguagem é confrontar a diversidade e ser capaz de não se dispersar completamente na tentativa de encontrar consensos. Neste novo cenário, as definições e claridade das tarefas específicas são um requisito. A progressiva tomada de consciência desse assunto se constitui num desafio singular para o lingüista do Século XXI. A aceitação disso é fundamental para o avanço.Na figura seguinte, tento mostrar de modo esquemático minha própria concepção da heterogeneidade de posturas, a coexistência alternativa de princípios desafiadores e a criação de objetos científicos diversos. Muitas vezes deliberada e definitivamente incompatíveis entre eles.Ter clareza mediana dessa diversificação de concepções nos permite, certamente, compreender porque temos enfrentado grandes divergências e discussões em torno da visão teórica e analítica entre posturas que acreditávamos enfrentar um mesmo fenômeno e que, conseqüentemente, abordavam objetos similares. Desse modo, fica claro, por exemplo, que não partem da mesma concepção nem do mesmo objeto de indagação científica a lingüística estruturalista de Saussure, o generativismo de Chomsky ou a lingüística sistêmica funcional de Martin. Tampouco são similares os princípios fundamentais da análise do discurso, propostos por Teun van Dijk, com os semiodiscursivos de Patrick Charaudeau. A visão antropológica social e espiritualista de Luis Gómez Macker não coincide com nenhuma das anteriores. E. certamente, tampouco é exatamente a mesma concepção de linguagem de Marianne Peronard, que se posiciona do ponto de vista da psicosociolingüística do discurso.Pensemos nisso novamente. Desde uma perspectiva ampla, todos esses cientistas pretenderam conceber um mesmo fenômeno. Todos eles estudaram a linguagem humana e as línguas. Mas coincidem em um nível muito geral e demasiado abstrato. Não bastasse isso, em minha opinião, é a forma de dizer que nos tem confundido. É evidente que os supostos ontológicos e epistemológicos e obviamente, as ferramentas metodológicas – a maioria das vezes – são radicalmente diferentes. Isso faz que seus princípios fundamentais os levem a estudar fenômenos de diferente tipo, em que o grau de complexidade seja variável e as dimensões consideradas na concepção de linguagem difiram ostensivamente. Com isso, os objetos científicos particulares não são exatamente os mesmos. Todos esses objetos revelam pequenas ou grandes diferenças.Efetivamente, esse é um assunto de alta relevância e que se deve ter certamente no ponto de mira, chegado o momento de enfrentar a decisão de ser um lingüista do Século XXI.Para explicar melhor essa questão, resumo tudo isso em uma distinção que pode ajudar a compreender melhor este ponto. A aproximação ao estudo da linguagem pode variar, basicamente, em consideração a duas questões: a) as perspectivas epistemológica e ontológica as quais se inscreve, b) o objeto científico específico que se indaga.Em minha opinião, fica claro que o objeto de estudo de um psicolingüista do discurso não é o mesmo que de um lingüista sistêmico funcional. Tampouco será o mesmo o de um lingüista formal generativista e o de um analista crítico do discurso. Tanto os objetos como os objetivos são diferentes e as metodologias. Um foneticista e um semântico generativista ou um lingüista cognitivista enfocam planos diferentes.
Algumas explicações: as viradas cognitivas e contextualistas
O problema dos movimentos pendulares no avanço científico é muitas vezes a desintegração do acumulativo. Isso quer dizer, neste contexto particular, que nos movemos entre um cognitivismo fortemente internalista com ênfase inatista e um contextualismo externalista com acento social e internacional. Infelizmente, muitas vezes não se resgata ou incorpora ou se tenta complementar visões alternativas. Por exemplo, a visão psicolingüística da linguagem normalmente não se conjuga com os princípios de uma semiótica social. Não há dúvida de que se trata de uma questão de fundamentos ontológicos e epistemológicos. O que abre cenários alternativos, mas também dicotomiza as concepções e distância aos objetos de estudo. Sob essa óptica, tal como tenho insistido, não se constrói um conhecimento de modo vertical e hierárquico em que um conhecimento necessariamente deva contribuir para os desenrolares seguintes e seja incorporado de algum modo aos futuros avanços. Desse modo, não se elabora acumulativamente a partir do existente. Muito pelo contrário, muitas vezes, deliberadamente se busca anular o prévio, criar um espaço independente. Assim, o que acontece é que se edifica de modo horizontal, substitui-se paralela e alternativamente a construção de novas noções científicas. No nuclear, isso faz com que o objeto de conhecimento, sua definição epistemológica e ontológica se distancie exponencialmente de outras alternativas.Não há dúvidas, em minha opinião, que a chamada virada cognitivista impactou substancialmente no modo de enfrentar a concepção da linguagem e dos objetos de estudo. Também a chamada virada contextual produziu uma ênfase nos aspectos semióticos sociais e pragmáticos. Contudo, são diversas as teorias lingüísticas que persistem em uma abordagem parcial do complexo fenômeno que nos preocupa, enfatizando perigosa e excessivamente uma ou outra visão. A seguir, na Figura 4, aprecia-se o movimento interativo entre lingüística e movimentos ontológicos e epistemológicos.Nesta figura se aprecia a interação polarizada que se executa entre movimentos radicalmente opostos. Entre eles, a lingüística tem-se visto pressionada pendularmente a um extremo ou outro. Em nossa proposta, advogo por uma defesa de categorias difusas ao longo de um continuum, em que se superem os extremos desqualificadores e se integre princípios valiosos de uma e outra postura. Supostamente, haverá posições que se substituirá através do continuum com maiores ou menores ênfase. Tal como já temos apontado, as concepções teóricas e os objetos de estudo se diversificam produto de supostos ontológicos e epistemológicos divergentes acerca da linguagem, das línguas e, definitivamente, do ser humano. Isso implica que, por exemplo, se considerarmos dois pólos de um continuum entre um enfoque cognitivista e outro contextualista, múltiplas operações teóricas e empíricas cabem dentro de uma diversificação com ênfases variadas. Assim, temos desde um enfoque inatista extremo da linguagem e as línguas com um grau de idealismo importante (Chomsky, 1965, 1966, 1968), até uma aproximação social de corte radical em que as representações sociais adquirem fundamental relevância e se enfatiza uma semiótica externalista (Bloomfield, 1930; Halliday, 1978; Durkeim, 1987; Halliday & Hasan, 1989; Lemke, 1992). Neles se constrói para uma excessiva mentalização do fenômeno e os objetos ou para uma coisificação radical de tipo externalista e materialista. Felizmente, entre outros dois extremos, uma concepção socioconstrutivista moderada impõe certos limites difusos e alcança, em minha opinião, consensos mais oportunos. Refiro-me, por exemplo, às contribuições integradoras de Peronard e Gómez Macker (1985), de Karmiloff-Smith (1994), e de Peronard (1999, 2007). É nesse afã integrador que o lingüista consegue somar parcelas e se adicionam dimensões. Assim, ao pesquisador se revelam novas conexões e consegue explorar e descobrir renovados vínculos integradores. Neste processo, a cognição se torna mais complexa e se vincula com diversos planos. A sociedade se multifraciona e se oferecem mais variadas fontes de interação. Definitivamente, nesse processo se constrói um fenômeno e um objeto ainda mais complexos, mas de modo acumulativo.Uma de minhas preocupações é o perigo que reside em um desses extremos, pois se pode chegar a apagar o sujeito conhecedor e não atender assim a uma parte individual dos processos da linguagem, destacando excessivamente as construções sociais de corte externalista. Nela, o conhecimento e os processos lingüísticos tendem a ocorrer de modo onipresente e impreciso dentro do contexto social. Então, tende-se a coisificar tanto a linguagem como os objetos de estudo ou, em alguns casos, se minimiza perigosamente a participação do sujeito, de sua mente, de suas emoções, de sua personalidade e de seu cérebro. A excessiva ênfase contextualista de uma visão semiótica social, em minha opinião, incidiu em um novo reducionismo teórico e metodológico. Torna-se assim imperativo superar estas debilidades de uma concepção extrema.Na outra visão extrema, ao sujeito se atribui uma função mais central. Em seus processos psicológicos idealizados residem as cognições que dão suporte a linguagem. Também existem possíveis excessos nessa concepção de linguagem humana. De fato, pode-se correr o risco de chegar a uma postura cognitiva monolítica em que o cérebro, os mecanismos corporais e processos neurobiológicos concentram unicamente uma concepção de linguagem. Tal ênfase extrema pode coincidir a um exagerado individualismo e uma centralidade muito exclusiva nos processos cognitivos; tudo isso pode derivar em generalizações um tanto homogeneizantes.

Uma proposta multidimensional: a visão da Escola Lingüística de Valparaíso
Conforme venho argumentando, a dimensão cognitiva, a dimensão lingüística, a dimensão social e a dimensão afetiva interagem de modo complexo através da linguagem. Esta concepção integradora e abarcadora tende à compreensão profunda de um sujeito da linguagem. Como se infere, esse sujeito interage em um contexto específico e constrói sua realidade através de cognições situadas e de condutas deliberadamente intencionadas. Todos estes e outros mais constituem princípios fundamentais da Escola Lingüística de Valparaíso (cf. Peronard, 2007).Desse modo, minha escolha pelo término psicossociolingüística do discurso implica um enriquecimento progressivo de minha própria concepção da linguagem humana. Por isso, tenho restringido o uso de términos como psicolingüística, dado que aludiam a uma perspectiva excessivamente lingüística cognitivista e desvalorizavam outras esferas; ainda que seu uso em certos contextos se aplica adequadamente. Esta concepção integral a qual me aludo dá conta de uma visão mais ampla e reflete a multidimesionalidade da linguagem. Com isso, tento colaborar para uma perspectiva mais abarcadora e balanceada, superando, na medida do possível, os reducionismos nos pólos extremos e dicotômicos de tipo cognitivista e contextualista. Em parte, construo a partir das contribuições de Luis Gómez Macker de uma visão sociolingüística e espiritualista e também, baseado em uma opção mais psicolingüística e empirista como a desenvolvida por Marianne Peronard. Então, essa nova concepção teórica com apoio empírico é a que defendo e de onde, acumulativamente, tento projetar minhas próprias reflexões e pesquisa de minhas equipes de trabalho. A partir dessa demarcação, em meu ponto de vista, evita-se a coisificação da linguagem em termos externalistas e inclui-se de modo decidido um sujeito real e concreto em situações comunicativas claramente definidas.Então, a visão psico-socio-discursiva da linguagem que sustento aborda, entre outros, o vínculo entre processamentos cognitivos, propósitos comunicativos, enunciados contextualizados, representações mentais, interações sociais, tipos de aprendizagens e contextos culturais. Como é de costume, nossa visão se posiciona sob uma concepção integral da linguagem e do ser humano, e de um desenvolvimento de competências de discurso em ambientes educativos diversos. Assim, defendo uma opção original de corte socioconstrutivista e deliberadamente cognitivista. Devido a essa atribuição ontológica e epistemológica, concebo ao ser humano como possuidor de uma faculdade particular da linguagem e da cognição, a qual o constitui em um ente reflexivo e transcendente. Faculdade que lhe permite, através de processos educativos permanentes, ser capaz de se co-construir como pessoa que participa ativamente em sua sociedade e de auto-administrar seu próprio conhecimento na interação psicossociodiscursiva. Esta visão singular do ser humano é congruente com minhas concepções de texto, discurso, gênero e compreensão e produção lingüística (Parodi, 2003, 2005a, 2005b, 2007, 2008).Sustentar esta complexa visão mentalista implica, por um lado, aderir a uma compreensão de ser humano como sujeito possuidor de uma consciência de si mesmo como qualidade singular e, por outro, aceitar que a linguagem constitui uma faculdade inerente a este sujeito, mas que por sua vez lhe concede o caráter de tal. Consciência do eu e faculdade da linguagem se constituem em núcleos vitais de minha concepção de ser humano. Nesse sentido, é fundamental declarar que esta faculdade da linguagem é de natureza inata na espécie humana como disposição básica de construir sistemas de significados, mas não como um componente lingüístico preso a um modo de universais lingüísticos. Essa faculdade torna-se uma potência para a elaboração de um complexo sistema lingüístico de comunicação, a qual se constrói de maneira socioconstrutivista em um ambiente psicodiscursivo através de complexos processos ontogenéticos.
Sobre isso, a figura a seguir tenta captar as dimensões que a linguagem humana captura de nossa perspectiva particular.Não obstante essas declarações iniciais, é vital deixar claro que, tal como temos sustentado anteriormente a respeito dos desafios do lingüista do Século XXI, a construção de teorias deve apoiar-se em um sistema de enfoques empíricos experimentais que ofereçam informação que nutra as novas reflexões. Seja que esses dados confirmem hipóteses do pesquisador ou as refutem, as relações sinérgicas permanentes entre estes eixos constituem um mecanismo de asseguramento de revisão, ou de uma construção e reconstrução permanente de alguns princípios teóricos.
A inscrição a tal configuração de sistemas dinâmicos permite uma construção correta de conhecimentos científicos, validados empiricamente e cujos aportes aplicados contam com sustentos teóricos firmes. Esta forma de aproximarmos dos dados possibilita uma compreensão mais profunda de situações comunicativas reais em contextos sociais particulares.Estou seguro de que não é fácil alcançar desenvolvimentos integrados nem construção vertical e progressiva de saberes científicos, salvo ao interior de escolas de pensamento ou de grupos relativamente coesos. Sem dúvida, se não se conta com isso, é possível que se produza certa sensação de estancamento da disciplina. Não obstante, em longo prazo, espera-se que se produza um paulatino assentamento de idéias e uma progressiva integração que produza um conhecimento mais estável. Certamente, tudo isso nos outorga um conhecimento mais profundo da linguagem humana e das línguas particulares. Neste afã trabalhamos na Escola Lingüística de Valparaíso e confiamos entregar contribuições substanciais e integradoras à comunidade de especialistas, assim como buscar mecanismos para aportar e responder às demandas da sociedade atual.
À guisa de conclusão
Pois bem, depois desse percurso, declaro que de nenhum modo pretendo deixar de ser um lingüista. Muito pelo contrário, busco ambiciosamente recodificar, ou melhor, ressignificar o conceito e ampliar assim sua cobertura. Aceitar a heterogeneidade e as quebras epistemológicas e ontológicas. Reconhecermos na diversidade e aceitar que de um cenário particular é de onde falo. É verdade que existem muitos dilemas e que as perplexidades estão em cada esquina do caminho. Apesar disso, em minha opinião, o lingüista do Século XXI deve definitivamente ser um vanguardista pós-moderno. Com toda a complexidade que isso implica, mas também com a enorme riqueza que o aporta.Estou certo de que ser lingüista do Século XXI implica manejar um delicado balanço entre tradição, inovação e vanguardismo. Algumas tarefas do lingüista ou da lingüística que virá deveria ser:
· Propender para a construção de um corpo de conhecimento disciplinar altamente valorizado por sua replicabilidade, consistência e projeções;
· Fortalecer, com sólidos princípios teóricos e antecedentes empíricos, a dimensão aplicada e a de transferência;
· Tender à modernização computacional e implementação de princípios teóricos e realidades sustentadas empiricamente;
· Levar à disciplina e submeter-se à padrões gerais de avaliação;
· Contribuir à modernização e tecnologização das técnicas de coleta e manejo de dados, assim como dos instrumentos de análise e
· Fortalecer o componente científico experimental, quando couber.
É possível que algumas destas questões sejam de sentido comum, mas estimo que colocá-las no papel com certa ordem e a partir do cenário da Academia Chilena de La Lengua pode resultar uma contribuição para as novas gerações de estudantes de pré e pós-graduação que não contam com antecedentes desse tipo para decidir seu futuro.Por último, dentro do contexto do que foi dito, não deixa de chamar a atenção que os cientistas cognitivos e filósofos da linguagem em obras vanguardistas deste novo século se aproximem de conclusões um tanto similares de paradigmas e fundamentos epistemológicos diversos e com consensos difusos. Refiro-me a Robert Penrose (1994), Antonio Damásio (2000) y John Searle (2004), que concluem que um fenômeno tão esclarecedor como a consciência ampliada e a mente humana, como núcleos da humanidade do homem e traço da linguagem, estão ainda nas sombras.Em nenhum caso isso nos desmotiva em nosso ofício, mas – muito pelo contrário – constitui-se em fonte de enorme inspiração e nos oferece caminhos a recorrer esperançosamente através do milênio que se inicia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOOMFIELD, L. Language. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1930.
CHOMSKY, N. Aspects of the theory of syntax. Cambridge, MA: MIT Press, 1965.
CHOMSKY, N. Cartesian linguistics. A chapter in the history of rationalist thought. New York: Harper & Row, 1966.
CHOMSKY, N. Language and mind. New York: Harcourt, Brace & World, 1968.
DAMASIO, A. Sentir lo que sucede. Cuerpo y emoción en la fábrica de la consciencia. Santiago: Editorial Andrés Bello, 2000.
DURKHEIM, E. Las reglas del método sociológico. Buenos Aires: Editorial La Pleyade, 1987.
HALLIDAY, M. Language as social semiotics. London: Arnold, 1978.
HALLIDAY, M. & HASAN, R. Language, context and text. London: Oxford University Press, 1989.
KARMILOFF-SMITH, A. Más allá de la modularidad. Madrid: Alianza, 1994.
LEMKE, J. Interpersonal meaning in discourse: Value orientations. En M. Davies & L. Ravelli (Eds.), Advances in systemic linguistics. Recent theory and practice (pp. 82-104). London: Pinter, 1992.
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PENROSE, R. Shadows of the mind. A search for the missing science of consciousness. Oxford: Oxford University Press, 1994.
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PERONARD, M. & GÓMEZ MACKER, L. Reflexiones acerca de la comprensión lingüística: Hacia un modelo. Revista de Lingüística Teórica y Aplicada, 23 (1985) 19-32.
Real Academia Española. Diccionario de la Lengua Española. Madrid: Espasa-Calpe, 2001.
SEARLE, J. (2004). Mind. A brief introduction. Oxford: Oxford University Press, 2004.

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Discurso de incorporação como Membro à Academia Chilena de La Lengua
Publicado inicialmente na Revista Signos vol. 41 nº 67 em agosto de 2008.
Disponível na World Wide Web: http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-09342008000200005&lng=pt&nrm=iso

Agradecemos vivamente ao Professor Giovanni Parodi pela autorização para tradução e publicação deste artigo.







PROFESSOR POR EXCELÊNCIA OU PELAS COMPETÊNCIAS ?

O fato que  se  destacou hoje , foi o relatório  que  os professores deveriam preencher sobre alunos "I " (inclusão), os  antigos alunos  portadores  de  atenção especiais , os  professores  não sabiam como o faze-lo.Nesse  relatório pede  que avalie  o aluno , ai  o problema, como   avaliar um aluno que esta no  2ª ano do ensino médio  que não consegue avançar  mais que simples operações básicas do 1 ciclo ? Que nota dar  para meu aluno  que não quer participar de  educação física , mas que fica olhando e rindo e torcendo para os  amigos? Como em uma reunião de conselho explicar para os país  que seu filho  que não necessita de tantos  cuidados não consegui atingir  a meta e  que seu amigo por  ser "I"  tem notas  azul ? Ai vem a fala  dos especialistas  , pedagogos, simpatizantes e  bisbilhoteros ,  "Temos que avaliar  competências", sim! concordo , mas , qual competência?. A de ser mais um aluno? Qual  a proposta  oculta  que não aparece nos currículos? Se  eu devo entender que esse aluno  eu tenho trabalhar diferentes conceitos , entre eles socialização , conhecimentos básicos , interação . acessibilidade , comportamento e por  ai á fora ,porque  eu devo  classificar e pontuar seu desenvolvimento?. Isso é uma via  de mão dupla , porque  se o meu amigo professor  avaliar  o seu não acompanhamento currícular ele é "megero", insensivel e não acordou para a inclusão. Se o meu amigo professor  da uma nota compativel ao seu desenvolvimento, por exemplo: se numa escala  de  0 a 10 ele tirou 2 , mas para ele é um desenvolvimento , o meu aluno regular nessa  mesma escala  tirou  a nota 2 ,para ele é uma reprova . Eu particularmente  acho , que a inclusão está  ai , apoio , coloco a maior pilha , sou a primeira a  levantar e  a brigar por essa bandeira , mas ,venhamos e convenhamos , não é assim...sejamos realistas...vamos  ter um olhar critico, reflexivo e conciente  e o maior cuidado para que essas "faculdades da vida"  que usam como base  de seleção boleto bancário, não formem futuros professores que lecionaram para nossos netos, bisnestos, e que  nas futuras gerações o aluno sejem o   facilitador do conhecimento  o professor "I".